terça-feira, 22 de novembro de 2011

Troca-se uma meia por um milagre

Igreja troca meia, toalha, gravata e água benta por dinheiro e harmonia



O que uma meia, uma gravata e uma pequena toalha amarela têm a ver com fé ? Para a dona de casa Isabel Souza Ribeiro, 41, tudo. Participando das campanhas das terças-feiras da Igreja Mundial do Poder de Deus, no Centro de Vitória, ela levou para casa esses objetos em busca de prosperidade financeira, saúde e harmonia familiar. Em troca, doou para a instituição neopentecostal R$ 458.
Dona Isabel garante que a meia, que lhe custou uma oferta de R$ 123, garantiu a cura de uma úlcera numa das pernas de sua mãe, lá na Bahia. Seu marido foi aprovado em concursos públicos de três prefeituras da Grande Vitória, para o cargo de auxiliar administrativo, graças às suas orações na campanha da gravata - mais R$ 100.
Ela não tem dúvidas: os objetos ungidos pelo azeite consagrado por pastores da igreja viabilizaram tudo. "Tenho fé, acredito no Senhor. O objeto sozinho não é nada. A fé, sim, é que faz o milagre".


Consumo

Além da realização de ritos próprios das celebraçõs, igrejas neopentecostais transformaram-se em espaço de trocas e de uso de bens simbólicos. O fenômeno tem explicação antropológica, diz o doutor em Religião, filósofo e professor da Ufes Edebrande Cavaliere. "O homem é um animal simbólico, e a religião é a mais carregada de símbolos, dentro da cultura". Ele diz que o símbolo é a ponte que liga à esfera do sagrado, e que a fé nasce na sensibilidade, mas o risco é de exploração dessa sensibilidade. Nesse caso, o símbolo passa a ser um amuleto que teria a função de resolver a vida das pessoas. E isso não tem origem nas igrejas surgidas apartir do século XX. Pelo contrário. Na Idade Média, Cavaliere enfatiza que sacerdotes católicos vendiam "pedaços da cruz de Jesus Cristo", símbolo da religião cristã.
O curioso, é que o protestantismo nasceu justamente para combater esse uso indevido dos símbolos pela Igreja. "Era um movimento de contestação, onde só a Bíblia era aceita. Mas com o pentecostalismo e o neo-pentecostalismo, isso tudo retornou com força".


Campanha

A meia e a toalha às quais fiéis têm acesso na Igreja Mundial do Poder de Deus fazem parte da campanha "Sê Tu Uma Benção do Milagre Financeiro". Curas e libertações são testemunhadas durante os cultos por pessoas que fazem uso desses objetos, consagrados em morros, como o de Santa Lúcia, em Vitória. Objetos são distribuídos na igreja, onde pastores pedem ofertas de R$ 100. O dinheiro deve ser levado no próximo culto. O bispo Darker Douglas, 34, convertido há 15 anos e dirigente da Igreja Mundial do Poder de Deus no Espírito Santo, não diz quanto a igreja arrecada em seus 102 templos no Estado, mas admite que os custos são elevados. Nos cultos, além de objetos das campanhas, são distribuídas flores de plástico brancas, simbolizando a paz, e até um pequeno travesseiro azul, que representa os sonhos.


Leilão


Há duas semanas, além da oferta do dia, típica de qualquer igreja, o bispo também pediu que fiéis contribuíssem, inicialmente, com R$ 100- á medida que ninguém se dispunha a botar a mão no bolso, os pedidos iam baixando de valor -para evitar o fechamento da sede da igreja do Braz, em São Paulo. "A oferta é uma benção para a pessoa e para a igreja", diz ele, lembrando que os objetos funcionam como motivação, mas não são milagrosos. "Quem cura, liberta, abre as portas, é Jesus. Quando Deus foi traído, pegou um pedaço de pão, o consagrou e disse: "Esse é o meu corpo...".
O pastor Rogério Rodrigues, 38, que criou a Igreja Pentecostal Casa de Oração e Obra Missionária, na Região da Grande São Pedro, periferia de Vitória, admite: "Infelizmente, a humanidade caminha pelo que vê, e precisa de algo que a ajude a caminhar. Os objetos ajudam."
Ali, além de receber frascos de azeite ungidos no Morro da Conquista, fiéis participam de campanhas que incluem pisar num tapete (também ungido) onde, não raro, segundo o pastor, pessoas "tomadas pelo mal" manifestam a maldade em forma de vômito e gritos que saem de suas entranhas.


Caminhos Abertos


Vizinha ao templo, mas não mais frequentando os cultos, a dona de casa Marinéia Inácio Pereira, 43, mostra um pedaço de material sintético, em forma de chave, que ainda guarda da campanha feita para "abrir caminhos". E é também com esse objetivo que muitos entram no suntuoso templo da Igreja Universal do Reino de Deus, na Reta da Penha, em Vitória. Ali, seja no culto do Desafio da Cruz, da terça-feira, onde fiéis caminham sobre um tapete "com as pegadas do bispo Edir Macedo", ou na sexta-feira, dia do descarrego, com direito a uso de sal para "queimar" maus espíritos que se manifestam, o que não faltam são símbolos. E, é claro, muitos pedidos de doação.


Uma Moeda

O pastor pede R$ 500, R$ 300, R$ 200, R$ 100, até que, com menos força, admite que quem só tenha uma moeda possa da sua contribuição. Com um detalhe: o dinheiro é deixado sobre uma Bíblia aberta, no chão, em frente ao altar. Garrafas e copos d'água ungidos, incenso queimado durante a cerimônia, tudo faz parte do rito, onde prevalecem pedidos de prosperidade financeira, resgate de amores pedidos e libertação de "macumbaria".


Fé e Vitórias

Casada com um policial civil, a dona de casa Patrícia Araújo, 40, moradora da Mata da Praia, bairro nobre de Vitória, já foi católica, frequentou Igreja Maranata e centro espírita, mas há oito anos na Igreja Universal do Reino de Deus diz que conquistou vitórias. "Mas é preciso fé e verdade no coração", diz ela, com sua garrada de água consagrada. Mesmo na Igreja Católica, a força dos símbolos se faz presente. Embora a reforma litúrgica tenha determinado a retirada das imagens dos templos, isso não aconteceu de forma radical. Cavaliere lembra que a Renovação Carismática tem semelhança com o neopentecostalismo, sendo extremamente devocional a Maria e à Eucaristia. "Há casos em que pessoas fazem adoração ao Santíssimo, levando nas mãos carteiras de trabalho, em busca de emprego. Isso cheira a mágica", diz.





Fonte: Jornal A Gazeta, 16 de Outubro de 2011/ Caderno Cidades. Pág 6 e 7













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